domingo, 17 de fevereiro de 2008

Aos domingos...


Ela acorda tarde e, como sempre, liga a TV e fica passando os canais até achar algo que realmente interesse. Na verdade, nada vai interessar em um domingo de manhã na TV. Acontece que isso é praticamente parte do programa de um piloto automático que se apossa dela sempre que ela acorda: ligar a TV e procurar algo pra ter a desculpa de ficar mais um tempo na cama. Não quer sair de casa hoje e provavelmente recusar a convites pra almoçar. Não quer ser grossa com ninguém, apenas acha que a auto-companhia fará mais efeito num dia em que o calor promete assolar as ruas da cidade. Pretende ler algum livro, ouvir músicas, ficar sem fazer absolutamente nada. Come um resto de pizza fria da reuniãozinha de ontem à noite. Ao longo do dia, a solidão vai batendo e ela pega o telefone. Busca o nome na agenda e fica olhando... Não é uma emergência e ela prometeu a si mesma que só ligaria em caso de emergência absoluta. Então percorre a agenda toda a procura de alguém que possa acompanhá-la num sorvete na esquina. Tem que ser alguém que more pertinho, que não se importe em largar sua preguiça de domingo pra tomar um sorvete na esquina e que venha rapidinho antes que a vontade passe. Não há ninguém na agenda que preencha os requisitos. Na verdade há muita gente, mas ninguém com quem ela queira tomar o bendito sorvete na esquina. Pensando bem é uma emergência sim. Não há pessoa disponível pra tomar o sorvete e está um calor infernal. Ele sabe das pessoas que poderiam fazer companhia. Desiste de ligar quando já tinha escolhido até o texto... Tarde demais, a sorveteria está fechada.

Ele acorda cedo e, como sempre, finge que ainda dorme pra não precisar interagir com ninguém. Não pode sequer ligar a TV pra ver na cama porque alguém o chamará pra alguma coisa chata, dessas que só se faz aos domingos, como cortar a grama ou dar banho nos cachorros. Já faz parte da rotina esse comportamento instintivo e ele nem pensa mais ao fazê-lo. Descobriu que acorda e sequer abre os olhos pra não ter o seu segredo descoberto. Revira-se na cama pensando no quanto gostaria de morar sozinho pra não ter que acompanhar os programas dominicais do resto da casa. Desce quase na hora do almoço e desculpa-se dizendo que é o único dia que pode acordar na hora que bem entender. Mal termina de comer e já se joga no sofá da sala de TV pra tentar encontrar algo que ajude o tempo a passar, mas na medida em que o tempo se esvai, vai sentindo aquele vazio tomar conta. Mesmo com o ruído todo em volta... mesmo com as intermináveis conversas fiadas sobre o cotidiano enfadonho das pessoas com quem mora. Nada daquilo lhe interessa. Nunca realmente interessou. Num impulso, pega o telefone e digita aqueles números que nunca ousou salvar na agenda. Pra que? Ele os sabe de cor desde sempre. Não vai ligar. Então pensa em chamar algum amigo pra dar umas voltas ou bater um papo em algum lugar, bebendo uma cerveja. Mas falar sobre o que? E com quem? Ele nem gosta de cerveja. E sabe perfeitamente que só tem vontade de falar com uma pessoa. Chega até a elaborar toda uma conversa sobre o quanto precisa ouvi-la, sobre o quanto está se sentindo perdido no meio daquela gente chata. Entretanto acaba se dando conta que esse mesmo papo já rolou outras vezes e que é sempre assim: quando se sente perdido, pensa em recorrer a ela. E ela já deixou claro que não é pronto-socorro, que nunca vai ser um contato para emergências.

Mais um domingo que acaba. E mais uma vez ambos os pensamentos estão em uma única frase: ‘Chega logo, segunda-feira!’

Nenhum comentário:

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails