Acho que a gente cresce com essa idéia. Talvez sejam as revistas adolescentes (na minha época eram a Carícia, a Querida e a eterna Capricho). Os filmes românticos e as novelas também nos fazem acreditar. Ah, também tem os contos de fadas... Talvez nossas avós, nossas mães, as tias mais velhas... Sei lá, mas em algum momento é interiorizado em nós que só há um amor pra se viver nessa vida.
Sim, paixões pode haver várias... Mas amor, aquele de verdade, que arrebata a existência, que aquece o coração, que eleva a alma, que faz bem ao corpo e à cabeça. Esse só acontece uma vez. Por isso esperamos pelo príncipe encantado, lindo, dócil, gentil, carinhoso, altruísta, compreensivo, educado, atencioso, simpático, sincero, franco, leal, fiel, caridoso, solidário.
Ele não vem (claro, porque esse aí nem existe no planeta Terra), mas a gente acaba achando alguém que, após algumas (nem sempre leves) concessões, se encaixa ao que idealizamos em um amor verdadeiro. A gente então abre mão de algumas características, e explica pras pessoas que ele é humano, é homem, é um pouco infantil em relação a nós, tem algumas prioridades que são, na maioria das vezes, masculinas, como carreira, carrão, grana no bolso.
Então deixamos de lado aquela idéia do combo “construir nosso futuro juntos - planejar nossas viagens - projetar nosso lar – fazer economias que garantam nosso futuro”. Afinal, eles acabam convencendo a gente de que é melhor assim. Sonhar junto é coisa de mulherzinha romântica.
E nos entregamos por completo, somos arrebatadas. Todos os amigos percebem a luz no olhar, o sorriso nos lábios. E sentimos o calor dentro da gente, o coração em festa e a alma flutuando.
"É ele! O único amor da minha vida. O amor que eu sempre quis e esperei."
À medida que o tempo passa, porém, percebemos que as coisas tomam um rumo estranho. Que o esforço para manter tudo nos trilhos é unilateral. E pior, é do nosso lado. Protestamos essa idéia, a afastamos da cabeça em algumas noites de insônia, tentamos contornar a situação com lealdade, fidelidade, gentileza, altruísmo, compreensão...
Só que chega uma hora em que não dá mais. É triste reconhecer o fracasso de um amor que nos custou muito para dar certo. Que nos custou a vida toda pra encontrar. E o problema não está nele. Ele sempre foi assim. Ele é humano, não é? Quem mudou pra que tudo desse certo fomos nós. Mas quem somos nós mesmo? Quando foi que nós nos perdemos? E onde foi que ficamos?
Não importa. “Meu bem, o problema não é você. Sou eu.”
E então começa tudo de novo. Porque a vida é cíclica, afinal de contas.
- Ei, mas peraí... Cadê aquele papo de que só há um amor pra se viver na vida?
- Hi... não sei. Mas eu confesso que nunca acreditei muito nesse papo. Um só? Ah, não! Eu já tô na quinta tentativa. É que eu sempre li Vinícius de Moraes... desde a adolescência.
Ser criado, gerar-se, transformar
O amor em carne e carne em amor; nascer
Respirar, e chorar, e adormecer
E se nutrir para poder chorar
Para poder nutrir-se; e despertar
Um dia à luz e ver, ao mundo e ouvir
E começar a amar e então sorrir
E então sorrir para poder chorar.
E crescer, e saber, e ser, e haver
E perder, e sofrer, e ter horror
De ser e amar, e se sentir maldito
E esquecer tudo ao vir um novo amor
E viver esse amor até morrer
E ir conjugar o verbo no infinito...
(Vinícius de Moraes - Para viver um grande amor
(crônicas e poemas) Rio de Janeiro . Editora do Autor. 1962)