Morar (quase) sozinha faz de mim um paradoxo. Na maior parte do (pouco) tempo em que estou em casa - quando meu cúmplice está viajando ou na rua, me sinto só. Falo sozinha. Ligo a TV só pra ter as vozes que saem dela ao redor sem sequer olhar em direção. Busco por meus amigos e minha família nos messengers para diminuir a sensação de abandono. Funciona.
Aí resolvem me visitar. Afinal de contas, eu reclamo da distância, da saudade, dos eventos familiares que acontecem sem a minha presença, de tudo estar acontecendo sem mim, de nem lembrarem que eu existo. Pura chantagem. Dessas que eu faço desde que dei o ar da graça nesse mundo de monstros e monstras sanguinários. Mesmo antes de aprender a falar ou andar eu já usava desse artifício mesquinho e sórdido. E quer saber? Funciona.
(cena do filme Parenti Serpenti* -
qualquer semelhança...
talvez nem seja coincidência)
E então meu espaço vira um caos. Há pertences de outras pessoas em cada móvel de cada cômodo. Há coisas minhas nos lugares que me restam, mas não nos meus lugares. Os armários são totalmente formatados por dentro. O barulho de vozes é real, alto e confuso. Meu quarto não é mais meu. Nem meu banheiro. Nem mesmo minha cama e meu travesseiro. Eu começo a perceber que está pesado demais. Estou prestes a emitir um sonoro "foradaquiiiiiiiiforeeeeeever!!!", quando alguém sugere que eu saia pra tomar ar. Funciona.
Acontece que não tenho como sair pra tomar um ar todas as noites. Nem posso continuar passando matinalmente todos meus horários e tarefas do dia para uma supervisão (inquisitória), enquanto estou sentada à mesa, tomando meu café da manhã (normalmente uso o balcão da pia, em pé).
- Família, amo vocês. Porém, nós todos juntos, por mais de duas semanas neste apartamento, é algo que definitivamente... Não funciona.
- Família, amo vocês. Porém, nós todos juntos, por mais de duas semanas neste apartamento, é algo que definitivamente... Não funciona.
* Filme de Mario Monicelli, 1992.
8 comentários:
Ainda não aprendi a me desvencilhar da família. Morar sozinho é algo que não me soa nada bem. Vá saber, né?
Beijão!
Imagino a situação!
Deve ser horrível!
Beijos!
Hahahahaha, resolve o caso como eu resolvi: fecha a cara e eles se tocam, rsrsrs. Eu fiz isso e deu certo. Mas por via das dúvidas, evito visitá-los o maximo que eu posso pra não ser visitada, rsrsrs.
E vai que eles resolvem retribuir a gentileza?
Beijos
Boa sorte!
E tenho certeza que não é só nesse apartamento... acho que esse desapego é um caminho sem volta.
Temos muito em comum, tvem moror sozinha e ligo a TV pra falar com ela ou pra ela falar e eu ouvir vozes, enfim, à vezes acho que seria bom ter alguém pra fazer companhia, mas depois acho que o bom mesmo é sossego.
Rsrsrsrs
Ai Mary, adoro a sua sinceridade, a coragem de dizer as coisas sem medo de ser julgada!
Consigo imaginar perfeitamente o seu paradoxo embora ainda more com a família. Tenho uma amiga que veio para minha cidade em função da faculdade e ela vive esse mesmo dilema.
Mas o fato é que depois que a pessoa acostuma a viver sozinha, mesmo que isso signifique noites tremendamente solitárias, ela dificilmente aceitará a intromissão de terceiros em sua privacidade e individualidade...
Beijos
"E então meu espaço vira um caos. Há pertences de outras pessoas em cada móvel de cada cômodo. Há coisas minhas nos lugares que me restam..."
Mary, que coisa mais linda. Identifiquei-me muito com tuas palavras.
Beijo
Eu tenho muita dificuldade para ter visitas longas e ser uma longa visita também.
Visita ja diz: é breve, se não, vira morador provisório, aí complica!
beijos e boa sorte!
:))
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